A ancestralidade como tema não é uma novidade nas artes, sobretudo na literatura e no cinema. Na universidade, o tema se transformou em categoria de análise para explicar os projetos civilizatórios de grupos étnicos existentes antes de serem agrupados em um território geográfico e imaginado (Benedict Anderson) sob o discurso das nações, dos pertencimentos territoriais a partir de valores da cultura hegemônica.
Recentemente, li em um site que os jovens gregos estavam cultuando as divindades ancestrais. Uma resposta aos ritos urbanos desgastados e superficiais? Os afrodescendentes, sobretudo da diáspora, mais presentes na cultura baiana, trouxeram os ritos e a cosmovisão africana e transformaram as suas vivências em políticas públicas para, assim, ajudar crianças e jovens a se verem empoderados, com a visibilidade necessária para seguir em frente. Em meio a uma crise de representatividade e de valores, mergulhar nas raízes e na memória ancestral parece ser um caminho de fortalecimento e de recomposição grupal, para além dos meta-discursos de base nacionalista, do sentimento de pertencimento e de irmanação por meio de símbolos forjados para manterem a unidade em meio a imensa diversidade cultural.
Alguns princípios ancestrais foram elencados por Eduardo Oliveira no artigo Epistemologia da Ancestralidade, ao estudar a cosmovisão africana:
- Inclusão social;
- Respeito às diferenças;
- Convivência sustentável do Homem com o Meio-Ambiente,
- Respeito à experiência dos mais velhos,
- Complementação dos gêneros, na diversidade, na resolução dos conflitos, na vida comunitária entre outros.
- Integração
- Singularidade
- Ética na forma de estética: literatura, música, dança, vestuário…
Deste modo, o autor nos mostra como a ancestralidade pode explicar um jeito de ver o mundo, de agir neste mundo, de sentir e pensar o mundo, o que em filosofia chama-se iminência e transcendência.
Sendo assim, a ancestralidade pode contribuir para que as crianças, adolescentes e jovens de hoje possam repensar o seu estar no mundo, bem como os valores gerados neste mundo. Se ele é um elo frágil, fugidio, bem ao gosto da cultura do descarte, ou se são alicerçados em princípios que fortaleçam os laços dos membros de um mesmo grupo.
Grupos que imbuídos da memória ancestral, se sintam pertencentes a um legado e se mantenham ligados, irmanados. É desta forma que os nosso ancestrais se tornam vivos, quando nos lembramos deles, contamos as suas histórias, recontamos o que eles disseram. A ancestralidade é um conceito que se aproxima do sentido de eternidade, pois nunca morre o que é sempre lembrado.
Pensar a ancestralidade de qualquer grupo cultural é fazer uma viagem que exige de nós não apenas uma máquina fotográfica ou um celular, mas um movimento introspectivo de escuta e de olhar. Ver nos gestos, nos comportamentos, na receita de um prato, na modelagem de uma roupa, na dança, no canto, um jeito de se relacionar com o mundo.
Referência
OLIVEIRA, Eduardo. Epistemologia da Ancestralidade. Disponível em: http://filosofia-africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/eduardo_oliveira_-_epistemologia_da_ancestralidade.pdf. Acesso em: 16 ago 2017.