Mas o que há assim de tão perigoso por as pessoas falarem, qual o perigo dos discursos se multiplicarem indefinidamente? Onde é que está o perigo?(Foucault)
Foucault em seu livro A Ordem do Discurso afirma que existem dois interditos sociais, já que lugares de poder: a sexualidade e a política. Recentemente tivemos um exemplo deste último, pois na quarta-feira a Câmara de Deputados aprovou o substitutivo do Projeto de Lei 5.498/2009 que restringe o uso da internet aos candidatos e partidos.
O artigo 57-B propõe, logo de início, querer limitar o uso de um espaço dinâmico, ágil, democrático, cada vez mais acessível à população graças à ampliação de lan houses nos bairros populares, das salas gratuitas e dos centros de informática disponibilizados pelo Estado e Município, a um número reduzido de usuários, nesse caso candidatos e membros de partidos. Esse livre e crescente acesso pelas massas parece ter provocado um mal-estar entre os parlamentares que resolveram cercear a liberdade do cidadão e da cidadã de se expressarem, para inscrevê-los(as) em um território de proibições que, como sabemos, agride violentamente os direitos garantidos pela constituição federal. O exercício da livre expressão é direito de qualquer cidadão.
A Lei define no seu artigo 57 que cabe aos partidos e candidatos o uso exclusivo do espaço virtual para as propagandas políticas. Observem ainda que os candidatos ou partidos são os únicos que podem sediar uma página contendo propaganda política, cujo destino, em seguida, é encaminhar para a Justiça Eleitoral, através de seus delegados, para ser aprovada. Essas restrições dizem respeito também aos e-mails que deverão ser apenas usados pelos candidatos, partido ou, ainda, coligação. Contraditoriamente, o PL permite as doações pela internet facultando ao doador a sua identificação. Isto é, para contribuir politicamente no plano das idéias e opiniões é necessário que haja identificação, mas para contribuir financeiramente não é necessário.
Vê-se ainda que nenhuma entidade poderá veicular propaganda eleitoral, seja ela com ou sem fins lucrativos, como prevê a Lei 9.594 de 30 de setembro de 2004, mas qualquer uma delas poderá doar sem precisar identificar-se.
A atual legislação sobre a propaganda eleitoral, a ser encaminhada para o Senado para ser sancionada pelo presidente, parece, infelizmente, trazer querelas históricas quando, em um recente momento do nosso país, nem sempre era possível falar sobre o que se quisesse.
Contudo, eis que no decorrer da leitura, aparece uma luz no fim do túnel, pois a própria Lei parece contradizer-se. O artigo 57-B, no inciso IV, que trata das pessoas ou instâncias autorizadas a fazer a propaganda eleitoral na internet, diz que essas pessoas ou partidos podem fazê-lo:
“Por meio de blogues, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e assemelhados, cujo conteúdo seja gerado ou editado por candidatos, partidos ou coligações, ou de iniciativa de qualquer pessoa natural“
Juridicamente falando, “pessoa natural” é o cidadão comum e, me parece, que aqui temos uma contradição na lei, pois ao mesmo tempo em que o documento restringe o uso desse espaço para uso exclusivo dos candidatos ou candidatas ou partidos políticos, imediatamente depois abre para a possibilidade da “iniciativa de qualquer pessoa natural” fazê-lo. Desse modo, a Lei parece ter perdido o seu efeito, pois o cidadão que quiser gerar páginas para fazer campanhas estará amparado pelo artigo 57-B, inciso IV. Assim qualquer cidadão poderá construir páginas na internet para discutir os programas de seus candidatos e partidos e divulgá-las em suas comunidades virtuais, já que as comunidades sociais, as redes em que estamos envolvidos virtualmente fazem parte de nossa realidade, assim como as redes que firmamos nas relações e práticas sociais presenciais. Graças ao artigo 57-B, inciso IV poderemos exercer a nossa cidadania dialogando de várias formas e debatendo o destino político do nosso país.
Será que fiz a leitura da lei corretamente?